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Quais escolhas fazer: apostar no futuro ou ficar presa ao passado?

Quais escolhas fazer: apostar no futuro ou ficar presa ao passado?

junho 25, 2020 família Mediação 0
mediação de conflitos familiares

A mediação aplicada em conflitos familiares

Na prática cotidiana como mediadora de conflitos, constatamos que há  casos e casos…. há pessoas que participam do  processo de mediação  e recuperam sua liberdade de decidir questões essenciais de suas vidas, há outras que se mantém alienadas em suas crenças de que o outro é responsável por sua  insatisfação e seu estado de sofrimento, mantendo-se presas a um passado  inexorável, restando-lhes a ilusão de que o juiz possa, por sentença, garantir-lhe ganhos imaginários diante do seu  oponente percebido como o responsável por sua dor. 

O processo judicial e a mediação

  No método convencional,  cabe ao juiz de direito proferir a sentença  que determine o que deve ser cumprido pelas partes processuais.  E,   para  chegar  a tal decisão, ele irá   analisar as provas documentais,  reunir-se em audiências  com as    partes processuais  e seus advogados, ouvir testemunhas e também   poderá recorrer às perícias técnicas elaboradas por especialistas, para fundamentar sua decisão. Todavia,   chegar à fase da sentença,  segundo os dados do citado, relatório, pode demorar, de acordo com a natureza  e fase do processo,  vários anos até a conclusão dos seus trabalhos e,  o resultado obtido nem sempre pacifica o conflito e/ou atende realmente as necessidades do litigantes.

Já a  metodologia  da mediação de  conflitos, adota outros procedimentos: as partes são convidadas, voluntariamente, a  dialogar para resolver seus conflitos e estabelecer por elas próprias as soluções apropriadas,  resultando a conclusão dos trabalhos em acordos livremente construídos segundo suas necessidades e possibilidades,  em poucas semanas de reuniões entre as partes envolvidas.

Para ilustrar tal prática, apresentamos neste artigo um dos casos de mediação de conflitos familiares, envolvendo questões com imóvel do casal.

A decisão judicial

Em sentença judicial de divórcio ocorrido em 2009 ficou estabelecido que o imóvel que pertencia ao casal seria vendido e o valor obtido deveria ser partilhado na proporção de 50% para cada ex-cônjuge. Até a venda, o homem poderia viver no imóvel.

Contudo, passados cerca de três anos, como não houve a venda do imóvel, segundo a mulher, por desinteresse do ex-marido, ela reingressou na justiça  com pedido de  cumprimento da sentença.

A sentença não cumprida

Em sua defesa, o homem afirmava  não ter conseguido vender o imóvel porque ele não tinha uma documentação legal e alegava não ter condições  econômicas de comprar a cota parte da ex-mulher. Instalado o impasse entre as partes, o juiz do caso encaminhou o caso para o serviço de mediação do CEJUSC BH.

Proposta a mediação do conflito pela mediadora do caso, eles  a aceitaram e daí iniciou–se uma possibilidade de que eles pudessem manifestar suas  insatisfações e buscar novas alternativas à situação de conflito.

Imóvel fechado

Cabe  esclarecer que o   homem havia deixado o imóvel em 2014 em acatamento a  ordem judicial de despejo e as chaves do referido  imóvel foram repassadas pelo juiz à mulher. O imóvel estava fechado e carecia passar por reformas para venda, contudo, a mulher não tinha condições econômicas de fazer tais reformas e isso  também dificultava a venda do mesmo. Além disso, a documentação  irregular  do imóvel e o alto custo para uma possível   regularização do bem implicaria num  custo econômico  elevado que as duas partes não dispunham.

Somado a isso, havia um  débito referente à conta de luz sem pagamento  que correspondia  ao período final em que o homem vivera  na casa  antes do seu despejo, a qual o  homem dizia sem condições de arcar porque tinha despesas com o aluguel do barracão onde vivia. Já   a mulher  se recusava a pagar tal débito  para normalizar a situação da luz  no imóvel  pois se sentia e magoada com o ex-marido pois esse habitara por anos na casa que pertencera ao casal  e seu gesto de não se empenhar na venda da casa  para a  partilha do bem tinham o sentido para ela de que ele  a enganava. Por sua vez, o homem se ressentia de pagar aluguel quando poderia estar vivendo na casa até a venda da mesma.

Assim, de igual modo, ambos se mostravam infelizes  com as razões atribuídas ao outro pelos impasses vividos e  também declaravam estar insatisfeitos com a morosidade e falta de resolutividade da justiça.

O resgate da autonomia e do poder de decidir

Considerando a autonomia e a responsabilidade  das partes mediadas, o processo de mediação viabilizou que o homem e a mulher  se empenhassem na  busca de soluções possíveis, segundo as suas possibilidades e necessidades, para resolver o conflito sobre a partilha da moradia.  No exercício da liberdade de realizar escolhas, após seis  sessões em que eles conversaram, e cada qual teve a oportunidade de dizer de  si e de suas necessidades,  eles se dispuseram a se ajudar.

Dispostos a arcar com um projeto orientado para o futuro, eles decidiram fazer obras na casa para dividi-la em duas moradias:  

  • a parte direita da casa ficaria  para a mulher que tinha a intenção de alugar sua metade para ter uma renda própria;  
  • a parte esquerda  do imóvel ficaria para o homem que tinha a necessidade de ter um imóvel próprio para residir com a nova companheira, sem custos.

Além disso, eles decidiram pela  construção de  dois padrões de água distintos, sendo um para cada moradia. Eles decidiram que o homem faria os serviços de pedreiro e isso desoneria  ambos de gastos com o pagamento de mão de obra e, por sua vez, a mulher arcaria com a compra de material de construção.

Contudo, o homem fez um pedido fundamental à mulher:  voltar a morar na casa para a  realização das  obras de divisão do imóvel.

O medo  de que o arranjo atual tivesse o mesmo desfecho da experiência passada  foi expressado pela  mulher. Ele, por sua vez, clamava que ela confiasse nele. Sua palavra de homem  pedia para ser reconhecida pela mulher e, na ausência de recursos materiais,  a sua força de trabalho era a sua moeda de troca.

E então, quais escolhas fazer?

          Eis o impasse e o risco para a mulher: apostar no futuro ou ficar presa ao passado? E ele, seria capaz de cumprir o novo combinado?

Da angústia inicial superada e a reconquista da confiança, emerge a decisão livre de não se referenciar  ao passado, mas se abrirem para um projeto que implicava em  se lançarem em direção ao  futuro.

Eles então resolveram fazer um acordo provisório no qual constava  a promessas de   construção, o compromisso do homem de pagar as contas de luz atrasadas tão logo esse se visse  liberado do valor do aluguel e ocorresse  a mudança desse para o imóvel com o fito de realizar as obras.  Escrito sobre medida aquilo que refletia a escolha consciente de ambos, eles propuseram  retornar após dois meses, prazo estipulado para o que se comprometeram fosse cumprido.

O desfecho

No dia do retorno, tranquilos, amistosos, relataram que tudo se passou como combinado,   inclusive,  relataram também que os filhos  adultos voltaram a procurar o pai, após meses de afastamento em decorrência do litígio  desse com a mãe dos mesmos. 

Os ex-cônjuges escreveram  então o acordo final  no qual ratificaram a divisão e posse por cada um de metade do imóvel. A conta  atrasada de luz, cujo valor irrisório havia sido finalmente paga pelo homem,  deixou de ser  um símbolo do conflito  e tornou-se, ao longo do processo de mediação,   um resto  sem valor de um passado imutável que não mais impedia os ex-cônjuges de  se dirigirem para o futuro.

Tempo para cuidar da própria vida

O procedimento de mediação durou cerca de cinco meses, contemplando nesse prazo o  início da mediação, o prazo para as obras  e o encerramento dos trabalhos.

Cabe destacar que,   na sessão final dos trabalhos,  tanto o  homem  quanto a  mulher  diziam ter  pressa de que o acordo entabulado fosse logo homologado pelo juiz do processo. Eles não queriam  mais vir à  justiça, uma vez que o acordo firmado por eles  havia pacificado o conflito.

E ambos precisavam do tempo para cuidar de suas vidas e de seus novos projetos.

Cleide Andrade

Cleide Andrade

Psicóloga, mediadora e supervisora de mediação de conflitos

 

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