A mediação aplicada em conflitos familiares
Na prática cotidiana como mediadora de conflitos, constatamos que há casos e casos…. há pessoas que participam do processo de mediação e recuperam sua liberdade de decidir questões essenciais de suas vidas, há outras que se mantém alienadas em suas crenças de que o outro é responsável por sua insatisfação e seu estado de sofrimento, mantendo-se presas a um passado inexorável, restando-lhes a ilusão de que o juiz possa, por sentença, garantir-lhe ganhos imaginários diante do seu oponente percebido como o responsável por sua dor.
O processo judicial e a mediação
No método convencional, cabe ao juiz de direito proferir a sentença que determine o que deve ser cumprido pelas partes processuais. E, para chegar a tal decisão, ele irá analisar as provas documentais, reunir-se em audiências com as partes processuais e seus advogados, ouvir testemunhas e também poderá recorrer às perícias técnicas elaboradas por especialistas, para fundamentar sua decisão. Todavia, chegar à fase da sentença, segundo os dados do citado, relatório, pode demorar, de acordo com a natureza e fase do processo, vários anos até a conclusão dos seus trabalhos e, o resultado obtido nem sempre pacifica o conflito e/ou atende realmente as necessidades do litigantes.
Já a metodologia da mediação de conflitos, adota outros procedimentos: as partes são convidadas, voluntariamente, a dialogar para resolver seus conflitos e estabelecer por elas próprias as soluções apropriadas, resultando a conclusão dos trabalhos em acordos livremente construídos segundo suas necessidades e possibilidades, em poucas semanas de reuniões entre as partes envolvidas.
Para ilustrar tal prática, apresentamos neste artigo um dos casos de mediação de conflitos familiares, envolvendo questões com imóvel do casal.
A decisão judicial
Em sentença judicial de divórcio ocorrido em 2009 ficou estabelecido que o imóvel que pertencia ao casal seria vendido e o valor obtido deveria ser partilhado na proporção de 50% para cada ex-cônjuge. Até a venda, o homem poderia viver no imóvel.
Contudo, passados cerca de três anos, como não houve a venda do imóvel, segundo a mulher, por desinteresse do ex-marido, ela reingressou na justiça com pedido de cumprimento da sentença.
A sentença não cumprida
Em sua defesa, o homem afirmava não ter conseguido vender o imóvel porque ele não tinha uma documentação legal e alegava não ter condições econômicas de comprar a cota parte da ex-mulher. Instalado o impasse entre as partes, o juiz do caso encaminhou o caso para o serviço de mediação do CEJUSC BH.
Proposta a mediação do conflito pela mediadora do caso, eles a aceitaram e daí iniciou–se uma possibilidade de que eles pudessem manifestar suas insatisfações e buscar novas alternativas à situação de conflito.
Imóvel fechado
Cabe esclarecer que o homem havia deixado o imóvel em 2014 em acatamento a ordem judicial de despejo e as chaves do referido imóvel foram repassadas pelo juiz à mulher. O imóvel estava fechado e carecia passar por reformas para venda, contudo, a mulher não tinha condições econômicas de fazer tais reformas e isso também dificultava a venda do mesmo. Além disso, a documentação irregular do imóvel e o alto custo para uma possível regularização do bem implicaria num custo econômico elevado que as duas partes não dispunham.
Somado a isso, havia um débito referente à conta de luz sem pagamento que correspondia ao período final em que o homem vivera na casa antes do seu despejo, a qual o homem dizia sem condições de arcar porque tinha despesas com o aluguel do barracão onde vivia. Já a mulher se recusava a pagar tal débito para normalizar a situação da luz no imóvel pois se sentia e magoada com o ex-marido pois esse habitara por anos na casa que pertencera ao casal e seu gesto de não se empenhar na venda da casa para a partilha do bem tinham o sentido para ela de que ele a enganava. Por sua vez, o homem se ressentia de pagar aluguel quando poderia estar vivendo na casa até a venda da mesma.
Assim, de igual modo, ambos se mostravam infelizes com as razões atribuídas ao outro pelos impasses vividos e também declaravam estar insatisfeitos com a morosidade e falta de resolutividade da justiça.
O resgate da autonomia e do poder de decidir
Considerando a autonomia e a responsabilidade das partes mediadas, o processo de mediação viabilizou que o homem e a mulher se empenhassem na busca de soluções possíveis, segundo as suas possibilidades e necessidades, para resolver o conflito sobre a partilha da moradia. No exercício da liberdade de realizar escolhas, após seis sessões em que eles conversaram, e cada qual teve a oportunidade de dizer de si e de suas necessidades, eles se dispuseram a se ajudar.
Dispostos a arcar com um projeto orientado para o futuro, eles decidiram fazer obras na casa para dividi-la em duas moradias:
- a parte direita da casa ficaria para a mulher que tinha a intenção de alugar sua metade para ter uma renda própria;
- a parte esquerda do imóvel ficaria para o homem que tinha a necessidade de ter um imóvel próprio para residir com a nova companheira, sem custos.
Além disso, eles decidiram pela construção de dois padrões de água distintos, sendo um para cada moradia. Eles decidiram que o homem faria os serviços de pedreiro e isso desoneria ambos de gastos com o pagamento de mão de obra e, por sua vez, a mulher arcaria com a compra de material de construção.
Contudo, o homem fez um pedido fundamental à mulher: voltar a morar na casa para a realização das obras de divisão do imóvel.
O medo de que o arranjo atual tivesse o mesmo desfecho da experiência passada foi expressado pela mulher. Ele, por sua vez, clamava que ela confiasse nele. Sua palavra de homem pedia para ser reconhecida pela mulher e, na ausência de recursos materiais, a sua força de trabalho era a sua moeda de troca.
E então, quais escolhas fazer?
Eis o impasse e o risco para a mulher: apostar no futuro ou ficar presa ao passado? E ele, seria capaz de cumprir o novo combinado?
Da angústia inicial superada e a reconquista da confiança, emerge a decisão livre de não se referenciar ao passado, mas se abrirem para um projeto que implicava em se lançarem em direção ao futuro.
Eles então resolveram fazer um acordo provisório no qual constava a promessas de construção, o compromisso do homem de pagar as contas de luz atrasadas tão logo esse se visse liberado do valor do aluguel e ocorresse a mudança desse para o imóvel com o fito de realizar as obras. Escrito sobre medida aquilo que refletia a escolha consciente de ambos, eles propuseram retornar após dois meses, prazo estipulado para o que se comprometeram fosse cumprido.
O desfecho
No dia do retorno, tranquilos, amistosos, relataram que tudo se passou como combinado, inclusive, relataram também que os filhos adultos voltaram a procurar o pai, após meses de afastamento em decorrência do litígio desse com a mãe dos mesmos.
Os ex-cônjuges escreveram então o acordo final no qual ratificaram a divisão e posse por cada um de metade do imóvel. A conta atrasada de luz, cujo valor irrisório havia sido finalmente paga pelo homem, deixou de ser um símbolo do conflito e tornou-se, ao longo do processo de mediação, um resto sem valor de um passado imutável que não mais impedia os ex-cônjuges de se dirigirem para o futuro.
Tempo para cuidar da própria vida
O procedimento de mediação durou cerca de cinco meses, contemplando nesse prazo o início da mediação, o prazo para as obras e o encerramento dos trabalhos.
Cabe destacar que, na sessão final dos trabalhos, tanto o homem quanto a mulher diziam ter pressa de que o acordo entabulado fosse logo homologado pelo juiz do processo. Eles não queriam mais vir à justiça, uma vez que o acordo firmado por eles havia pacificado o conflito.
E ambos precisavam do tempo para cuidar de suas vidas e de seus novos projetos.
Cleide Andrade
Psicóloga, mediadora e supervisora de mediação de conflitos